
A AGONIA DO “VELHO CHICO”
Aníbal Alves Nunes
No dia quatro de outubro
De mil quinhentos e um
Vespúcio e Gonçalves Dias
Numa manhã em jejum
Descobriram o grande rio
Numa cena bem comum
Por ser o quatro de outubro
De São Francisco o dia
Louvaram à Jesus Cristo
E à virgem Santa Maria
Que fosse esse o nome
Batizado com alegria
Os olhos d’água que afloram
Vira um rio sem bramura
No Chapadão da Zagaia
Um retrato da ternura
Desce a Serra da Canastra
Num salto, numa aventura
Olhos d’água que borbulham
Lá nas Minas entre as serras
Nem parece com um rio
De São Roque e outras terras
Salta de um grande penhasco
Tão lento que quase emperra
Quem o viu nos áureos tempos
E tenta agora lembrar
Das claras e doces águas
Se põe logo a meditar
Que já não é mais o mesmo
Que caminha para o mar
Dos cento e sessenta e oito rios
Que deságuam em seu leito
Uns grandes, outros pequenos,
Outros cheios de defeitos,
Muitos deles tão poluídos
Que pra limpá-los não tem jeito
Duzentos e oitenta e três ilhas
Da nascente até o mar,
Pequenas, médias e grandes
Se tornaram o “habitat”
De tribos e de nativos
Que vivem a cultivar
Suas águas cristalinas
Se tornaram poluídas,
Barrentas, esverdeadas,
Agonizando em vida,
Como um velho moribundo
Que não encontra guarida.
Desmataram suas margens
Destruíram as fruteiras
Jacarandás, baraúnas,
Cedros brancos, cajazeiras,
Algarobas, canafístulas,
Mandacarus e craibeiras.
Nos períodos mais intensos
De chuvas na região
Por onde correm as águas
Inundando o sertão
Corre também desespero
No arrastar da plantação.
O rio segue seu curso
Como serpente assustada
Que tenta se defender
De gente famigerada
Que apodrece suas águas
Com lama envenenada.
Em muitas partes do rio
O assoreamento desponta.
Quem nada, pesca ou trafega,
Acha que passou da conta
E se os homens não cuidarem
Essa engrenagem desmonta.
São quase trem mil quilômetros
Desse rio a deslizar
Nas Minas e na Bahia,
No Pernambuco sem par,
Em Alagoas e Sergipe
Onde se encontra com o mar.
Quinze milhões de pessoas
Que margeiam o “Velho Chico”
Despejam os seus dejetos,
Seja pobre ou seja rico,
Como se o rio fosse
Um gigantesco penico.
Quinhentos e quatro cidades
Vivem em função desse rio
Mas não estão preocupadas
Com o imenso desafio
De dar vida ao rio que geme
E tem a vida por um fio.
Barqueiros e canoeiros
Que trafegam sem parar
Subindo ou descendo o rio
Numa luta sem cessar,
Já não encontram guarida
Nesta vida, nesse “mar”.
Pescadores, jangadeiros
Que pescavam toneladas,
Hoje até lamentam
Que a pesca não dê nada,
Porque as represas barraram
A piracema esperada.
Hoje o rio parece
Com um tapete mal feito
Com algas e baronesas
Flutuando em seu leito
A poluição é tamanha
Que parece não ter jeito.
Em favor do crescimento
Do Nordeste brasileiro
Barraram o São Francisco
Com paredões por inteiro
Engaiolando os peixes
Numa espécie de cativeiro.
Por falta da “escadaria”
Pros peixes subirem o rio
Infelizmente traçada
Em projeto que sumiu
A piracema esperada,
Ninguém sabe, ninguém viu.
A poluição começa
Na nascente altaneira
Que recebe o Rio das Velhas
Um tapete de sujeiras
De inúmeras cidades
E da capital mineira.
Perto dali as gaiolas,
Embarcações e jangadas
Já não trafegam seguras
Por causa das emboscadas:
Imensos bancos de areia
Que descem com as enxurradas.
Aqueles bancos de areia
Que parece não findar
Foram gerados por bandos
Que vieram degradar
Destruíram nosso rio
E sua mata ciliar.
Compraram os hectares,
Derrubaram a floresta,
Encheram de gado e uva,
Fizeram a grande festa,
Destruíram toda a fauna.
Pouco ou quase nada resta.
Nas margens do “Velho Chico”
São cultivadas fruteiras,
Hortaliças e rebanhos
Por entre as capoeiras,
Porque o rio é progresso
Da simples gente brejeira.
Dos produtos preferidos
Que brotam da irrigação,
Pinha, banana e coco,
Goiaba, manga e melão,
Melancia, seriguela,
Milho, abóbora e feijão.
Quase tudo é produzido
Com a intenção de exportar
Para os Estados Unidos,
Europa e Canadá.
Só fica mesmo o refugo
Depois de selecionar.
Hoje o rio comporta
Em toda a sua extensão
Quase quinhentos hectares
De cultivo em irrigação
Que contribuiu com o progresso
De toda a região.
O “Velho Chico” ocupa
Uma vasta extensão
Seiscentos e quarenta e cinco
A área de ocupação
Em quilômetros quadrados
Em grande parte da nação.
Que pena que o “Velho Chico”
Não esteja mais tão forte
Braços longos, estendidos,
Relegado à própria sorte
Afluentes poluídos
Sentenciando a sua morte.
Pra completar seu destino
Até queira Deus que não
Desde o ano de dois mil
Só falam em transposição
Que pena que não comentam
A revitalização.
Pernambuco, Paraiba,
Rio Grande do Norte, Ceará,
Quilômetros de canais
Sendo abertos sem parar,
Adutoras implantadas
Para as águas desviar.
É claro que o nordestino
É sobretudo, competente
E não iria extrair água
Do “Velho Chico” doente
Se não fosse autorizado
Por um governo decente.
Os nordestinos esperam
Do governo muita ação
Com muitos investimentos
Na revitalização
Para que o nosso rio
Vença a degradação.
Em toda a sua extensão
Houve assoreamento.
Degradado e poluído
Sem piedade e sentimento
O rio hoje parece
Desprezado e ao relento.
Os governantes precisam
Tomar sérias providências
Para evitar, sobretudo,
Dramáticas conseqüências
De um rio podre, sujo
E repleto de doenças.
Se o governo assim agir
Vai satisfazer a gente.
Tratando o São Francisco,
Tornando-o mais potente,
Restaurando suas margens
Da foz até a nascente.
Se o contrário fizer
E não lhe der atenção,
Vai transformar nosso rio
Num imenso caldeirão
De águas podres e turvas,
O “Tietê” do sertão.
Revitalizando o rio
Da nascente até a foz
O governante declara
Que entendeu a nossa voz
Vai ser bom para o Nordeste
E melhor pra todos nós.
Este poema foi feito
Por um poeta de brio
Que nunca mediu distância
Para vencer desafio,
Que luta desde criança
Em defesa desse rio.
Defensor da natureza,
Das nascentes, fauna e flora,
Que nunca mediu distância
Para preservar, agora,
A vida do “Velho Chico”
Que está quase indo embora.
Se todos agirem assim
O rio se torna potente
E sua transposição
Se definirá latente
Nem vai parecer que “eles”
Sugaram sangue de um doente.
Barranqueiros e nativos
Povo forte, povo arisco,
Nossa luta continua
Mesmo tendo muito risco
Em defesa de vida plena
Para o Rio São Francisco.
Ele é nossa esperança
Progresso e salvação.
Precisamos defendê-lo
Em prol de todo o sertão.
O São Francisco é da gente,
É nosso pai, nosso irmão.
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